QUEM SOMOS E AO QUE VIMOS

1 de janeiro de 1987. Com Portugal recém-chegado à CEE, a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 440/86, de 31 de dezembro marca “o nascimento” do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), consagrando um modelo de controlo do trânsito de pessoas nas fronteiras e da permanência e atividades de estrangeiros em território nacional alinhado com os padrões dos restantes parceiros europeus.

Por cá a imigração ainda não era grande preocupação. Mas começava a sê-lo na Comunidade Europeia, onde, ao contrário de Portugal, a grande maioria dos parceiros já possuía estruturas e/ou organismos vocacionados para lidar com o fenómeno migratório, fossem de caráter administrativo ou policial em função da perspetiva de abordagem.


No caso português, porém, a opção do legislador foi um pouco mais ambiciosa uma vez que reuniu as várias valências dessa abordagem numa única entidade. Criado como um organismo de autoridade civil, no início o SEF integrou o pessoal da carreira administrativa do antecessor Serviço de Estrangeiros (SE), bem como algum pessoal proveniente das Forças Armadas e das Forças de Segurança que se encontrava afeto ao SE e outro que foi chamado para o SEF, com atribuições muito específicas na área documental de estrangeiros e em geral no apoio à atividade do Serviço.

Finalmente em 1990, cumprindo o que estava legalmente consagrado, o SEF deu vida a um corpo especial de polícia completamente novo: a carreira de investigação e fiscalização (CIF), integrada por pessoal recrutado, formado, treinado e preparado para a atividade operacional do SEF de acordo com padrões diferenciados e diversificados, relativamente ao verificado nas restantes forças e serviços de segurança.

Sendo na altura questionável a vantagem da criação de mais uma polícia num país onde as polícias já abundavam, havia no entanto o argumento da extinção da Guarda Fiscal a médio prazo, a que se juntava o generalizado desinteresse do fragmentado aparelho policial pelo “core business” do SEF. Mas havia sobretudo um complexo conjunto de compromissos europeus a respeitar e levar adiante. Tratou-se, por isso, de um avanço estrutural e não de uma reação conjuntural.

Rapidamente o SEF evoluiu e cresceu nos anos seguintes, integrando cada vez mais pessoal sobretudo das áreas especializadas, policiais e não policiais, consideradas fundamentais para o cabal cumprimento das atribuições que estavam cometidas ao Serviço. Neste âmbito importa referir a carreira informática, igualmente constituída por pessoal especializado, sobretudo a partir do momento em que se tornou percetível que a missão do SEF no contexto nacional e internacional, apenas seria possível com um forte investimento também na área das tecnologias de informação.

Para completar o retrato do que denominamos hoje como sendo a Comunidade SEF - que inclui todos os que passaram pelo SEF e aí serviram a causa pública - não podemos esquecer as personalidades que estiveram à frente dos destinos do Serviço, em lugares do topo da respetiva hierarquia ou cargos dirigentes de elevada importância.

Em poucos anos o SEF conquistou o seu espaço e o respeito entre pares no domínio da segurança interna, em Portugal. Mas também foi progressivamente trilhando caminhos e abrindo portas a nível internacional, sendo conhecido e reconhecido em muitos países, na europa e no mundo, pelas respetivas autoridades e organismos, bem como pelas organizações internacionais especializadas em todas as matérias relacionadas com as fronteiras, migrações e documentação inerente.

Como em qualquer organização, também o percurso do SEF, o prestigio que granjeou, os problemas por que passou e a imagem que construiu, foram o produto do trabalho, do comportamento e das ações desenvolvidas pelos profissionais que ali trabalharam. Houve altos e baixos e a quantidade de sucessos é muito relevante. Mas há que assumir que em 36 anos também se verificaram erros e nem tudo correu bem ou foi feito como devia ter sido.

O impacto da comunidade estrangeira residente em Portugal não parou de crescer durante o período de vida do SEF. De acordo com os números disponibilizados no portal de estatística do Serviço, no final de 1986 havia 86.982 estrangeiros titulares de residência em Portugal. No final de 1991, cerca de três meses depois da CIF ter iniciado funções, nomeadamente no controlo de fronteira no aeroporto internacional de Lisboa, o mesmo número era de 113.978 indivíduos. Em 2001, 223.997 títulos de residência estavam distribuídos e no final de 2011 chegou-se a 434.708 estrangeiros residentes com título português. Em 2021 havia 698.536 títulos de residência atribuídos a estrangeiros.

De acordo com estes dados, em 30 anos verificou-se um crescimento de quase 613 % no número de títulos de residência atribuídos.

Este crescimento espelha uma parte da dinâmica migratória e corresponde apenas a uma parte (importante) do trabalho do SEF, mas ajuda a compreender porque motivo o Serviço foi a solução que vingou durante os 36 anos em que, ao dispararem as suas várias manifestações, o “fenómeno” migratório saltou de mero caso de polícia a preocupação política de primeira linha.

Foi ao SEF que coube densificar o delineado no Decreto-Lei nº 440/86 e aguentar este embate, em condições por vezes bem adversas. De um modo sem paralelo na nossa Administração Pública, este Serviço, com muito poucos referentes e sem o esteio de uma cultura organizacional adequada, começa a operar, nos alvores dos anos 90, nas distintas valências do complexo terreno das migrações, assumindo-se como um verdadeiro serviço de imigração e um serviço de segurança de referência em vários domínios: do controlo da fronteira e da permanência de cidadãos estrangeiros; da investigação de crimes onde os mais vulneráveis são explorados, nomeadamente o auxílio à imigração ilegal e crimes conexos e posteriormente o tráfico de seres humanos; dos vistos; das autorizações de residência; dos afastamentos; do asilo; dos passaportes e documentação de estrangeiros; da nacionalidade; da cooperação internacional, policial e não policial – entre outros domínios direta ou indiretamente relacionados com estes.

Acresce que, tanto o controlo do movimento de pessoas nas fronteiras como o da permanência de estrangeiros - e as implicações de ambos na gestão da segurança interna - a partir de 1995, com o quadro Schengen, ganharam dimensão internacional. As fronteiras aéreas e marítimas portuguesas tornaram-se fronteiras Schengen, deixando as ações de controlo aí exercidas de estar apenas focadas na segurança do espaço nacional e passando, outrossim, a visar a segurança do espaço Schengen, sendo conduzidas por um corpo de polícia especializado e competente num quadro de articulação, tendente à harmonização europeia, e cooperação com todos os outros Estados que o integram.

A partir daí a dinâmica internacional do SEF adquiriu, definitiva e progressivamente, outra expressão: nas várias instâncias europeias (agora UE); a um nível bilateral e multilateral com outros países (europeus e não europeus); em diversos fora internacionais especializados (na área documental, por exemplo); através dos oficiais de ligação de imigração colocados em várias embaixadas portuguesas; junto da Europol, com o envolvimento em ficheiros de análise de informação e em investigações conjuntas; na Frontex, com papel preponderante e participativo na atividade formativa, técnica e operacional desde o arranque da atividade desta agência europeia; na EASO, a agência europeia de asilo; na REM, rede europeia de migrações; através da Abordagem Global para as Migrações e Mobilidade.

Estes são exemplos, concretos, duma dimensão porventura menos conhecida do SEF, sobretudo para o “consumidor interno”, mas que têm um elo comum que ajuda a perceber a qualidade do Serviço e dos Homens e Mulheres que lhe deram rosto ao longo de anos de trabalho: em todos eles o SEF esteve sempre representado pelos seus funcionários e muitos casos existem em que estes ficaram mesmo colocados em vários organismos internacionais, assegurando a presença de Portugal nos mesmos.

Mas muito mais pode ser relembrado. Ficam aqui apenas alguns exemplos.

O SEF foi pioneiro na constituição e desenvolvimento, a nível nacional, de equipas de investigação conjunta sob a égide do Eurojust com a Europol e outros países europeus, as quais permitiram o desmantelamento de redes criminosas que operavam em simultâneo nos vários países, obtendo condenações dos intervenientes nos países envolvidos.

Como resultado do trabalho do SEF, saíram de circulação milhares de documentos falsos ou falsificados e foram desmanteladas redes de falsificação de documentos de identidade e de viagem, em Portugal e vários outros países.

Por conta do SEF foram formados centenas de guardas de fronteira e peritos em documentação em todos os países da CPLP, tendo sido instalados nos países da Comunidade vários equipamentos e sistemas de controlo de fronteiras e laboratórios de peritagem documental.

Em 2007, numa altura em que a Europa Schengen não encontrava solução técnica para a integração dos novos parceiros no sistema de informação Schengen, o SEF desenvolveu o projeto que ficou conhecido por SISone4ALL e liderou a sua aplicação com enorme sucesso. O SEF foi também pioneiro no apoio ao desenvolvimento e instalação do primeiro sistema europeu de passagem de fronteira eletrónica, sem necessidade de pré-registo, o qual veio a ser replicado em vários países da Europa e do resto do Mundo.

Tendo-se tornado um serviço de referência, designadamente ao nível de soluções tecnológicas, foi atribuída ao SEF a responsabilidade pela gestão nacional de sistemas de dados europeus tão importantes como o SIS (sistema de informação Schengen), o EES (sistema de entradas e saídas), o ETIAS (sistema de pré verificação de condições de entrada no espaço Schengen) e o Eurodac (base de dados de requerentes de asilo).

Enfim: todos os que tiveram o privilégio de exercer funções no SEF e foram muitos os que deram o melhor de si à causa pública e ao país através do Serviço, sempre com denodo, abnegação, criatividade e competência, no esforço de construir o Serviço e gerir e ultrapassar as adversidades, constituem hoje a Comunidade SEF.

Sem esquecer os que já partiram e também ajudaram a construir o Serviço.

Orgulhosos da nossa existência, mas cientes da necessidade de perceber o bom e o mau, o positivo e o negativo, sabemos que o SEF foi uma instituição nobre e de prestígio e queremos por isso manter viva a memória do Serviço através de cada um de nós, que fazemos parte da

Comunidade SEF e com o nosso testemunho podemos contribuir para a preservação dessa memória, donde esta pura emanação da sociedade civil, independente de quaisquer poderes públicos, partidos, sindicatos, ideologias: a Associação Para Memória Futura.

Ao tê-la assim crismado, pretendemos deixar claro o nosso duplo objetivo: por um lado, numa vertente virada para a Comunidade SEF, preservar a memória do que foi este Serviço e de como nele nos portámos: o que fomos e o que fizemos; por outro lado, numa vertente virada para a sociedade em geral, providenciar para que o nosso depoimento também possa ser tido em conta no julgamento que o futuro certamente não deixará de fazer ao “Processo SEF”.

O site da Associação PMFSEF que agora está a arrancar será a montra deste nosso duplo objetivo e, sem prejuízo de desenvolvimentos futuros, integra: um Arquivo de cópias do acervo documental relevante para a história do SEF; uma Biblioteca de testemunhos; e um Fórum para nos encontrarmos e conversarmos, que poderá ser uma mais valia futura de partilha do conhecimento das matérias em que nos formámos.

Em jeito de síntese, a Associação PMFSEF terá como finalidades:
a) A recolha, conservação e tratamento de material informativo e documental para memória futura do SEF, desde a sua criação até ao processo que conduziu à sua extinção;
b) A preservação e divulgação, no domínio cultural, da História e das estórias do SEF
c) A divulgação de informação e promoção de debate objetivo e técnico-científico sobre questões atinentes às migrações e realidades conexas.

No final, pretendemos que a Associação PMFSEF possa constituir-se no futuro como um interlocutor válido e relevante na área das migrações, visando contribuir para o estudo de questões de interesse atual, como as fronteiras, a análise e gestão dos fluxos migratórios e o reconhecimento de situações de proteção internacional.