Ana Rita Gil | Investigadora do Lisbon Public Law, professora da Faculdade de Direito (UdL)
Não existe uma política de imigração: há apenas um suceder desenfreado de medidas avulsas, que procuram responder a milhares de atrasos e situações de exploração
Falar de imigração no espaço público tornou-se cada vez mais difícil. A mera vontade de saber o que os portugueses pensam é de imediato tomada como indício de xenofobia. Contudo, a imigração é um tema que bule demasiado com as responsabilidades de um Estado social para podermos fingir que é uma “não questão”.
É que, enquanto o fazemos, os problemas começam a transbordar pelas orlas da aparência humanista: dezenas de migrantes vivem em escravatura; na internet arranjam-se casamentos; traficam-se horas de atendimento em consulados; não há vagas para reagrupamento familiar; lojas recônditas vendem documentos falsos; as universidades que lotaram as vagas com alunos estrangeiros ficam vazias porque estes só pretendiam um visto de estudo; e o Estado português tem uma ação por incumprimento na UE por ter pretendido resolver atrasos com uma autorização de residência que não é reconhecida no espaço Schengen.
Consciente da necessidade de debater o tema, o Lisbon Public Law, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, lançou uma investigação sobre a política de imigração em Portugal, coordenada por duas pessoas com posições à partida diferentes na matéria — Carlos Blanco de Morais e eu própria —, mas convergentes na necessidade de se debater o assunto. O primeiro passo foi um inquérito à população portuguesa, elaborado com a Top Science, que permitisse o mais amplo leque de respostas sobre a perceção da imigração no país.
Os resultados foram complexos e, por isso, potencialmente manipuláveis por discursos populistas ou mensagens simplistas. Importa, por isso, esclarecer as suas três principais conclusões. Em primeiro lugar, os portugueses são um povo de acolhimento: acham que devemos receber bem os imigrantes, que estes devem ter acesso ao subsídio de desemprego e ao SNS, e que é interessante uma sociedade multicultural. Seguidamente, entendem que a imigração deve ser controlada — e que, atualmente, isso não acontece. Contradição? Não, dir-se-á apenas: bom senso. De facto, só se consegue garantir vida digna para todos com uma imigração regulada e previsível.
Finalmente, os portugueses reconhecem que a imigração coloca alguns riscos. Apelam, em particular, para que se negue a entrada a cidadãos que tenham cometido crimes. Tal como o acesso a outros sectores sociais, os portugueses também querem normas sobre acesso ao território. Representa isto racismo ou xenofobia? Ou simples ponderação entre vontade de receber e de manter o regular funcionamento das nossas instituições?
Atualmente, não existe uma política de imigração: há apenas um suceder desenfreado de medidas avulsas, que procuram responder a milhares de atrasos e situações de exploração, potenciadas por uma lei que abriu as portas do país sem querer saber quantas pessoas vinham, como vinham, se conseguíamos decidir todos os casos, garantir direitos mínimos no território, e que efeitos tal teria na população que já cá residia. E é isso que os portugueses condenam quando respondem, numa maioria de 55,2%, que a imigração está descontrolada. É, pois, urgente discutir a imigração em Portugal.
Consulte aqui a PUBLICAÇÃO | RELATÓRIO
Imigração Sustentável num Estado Social de Direito
LPL Author(s): Carlos Blanco de Morais, Ana Rita Gil
LPL Editor(s): Carlos Blanco de Morais, Ana Rita Gil
Research Group(s): Lisbon Public Law
Publishing company: Lisbon Public Law
Ano: 2023