Octávio Rodrigues | out 2024
“Espuma dos dias?”
Queria escrever coisas esdrúxulas! A puxar para a emoção. Para a fúria até. Apetecia-me, sem défice na ironia e a derrapar visivelmente para o sarcasmo, enumerar coléricos vitupérios sobre a alegada degenerescência da nossa “demokratia”, da alegada imbecilidade de certos opinadores e dos fazedores de notícias que, depois de ruminarem alucinações próprias da informação errónea que consomem, aliviam tudo em latrinas teoricamente ideológicas e que são comuns. Mas não vou chafurdar nesse lodo.
Perceciono que a “demokratia” está numa crise existencial própria da meia-idade. À mínima dúvida existencialista retoca-se aqui e ali, com unguentos de duvidosa qualidade, para parecer ainda jovem e vai tendo dificuldade em assumir a sua já consolidada e indescritível beleza natural, sem saber que a amo e aceito tal como ela é.
Por isso não vou por aí. Sei desde o berço educacional que impropérios são para usar com parcimónia. Por outro lado, já se sabe que as moinhas do coração são combustíveis que podem acicatar o desvairar da pena. Recolho-me então na minha concha e aquieto-me para discorrer apenas sobre a “espuma dos dias”.
Quer dizer, não é bem sobre a “espuma dos dias” que essa remete para tudo o que não tem essência, que não tem estrutura e que se esvai com o tempo. Existem eventos, obras, pessoas e relações que não se dissipam com o tempo. Ah o “tempo”, esse imparável avançar do calendário dos nossos dias que, para além de revelar caracteres, conduz-nos para pesarosas efemérides institucionais. Como o ciclo findo do SEF que vai originar o advento de vários recomeços e a promessa de muitas regenerações institucionais.
Rejubilo, ainda que meio contundido, sabendo que a imolação serviu para, de certa forma, salvar o País. “Omnia pro patria”. Resigno-me pois então. A pátria e a “demokratia” merecem todos os sacríficos e este foi um dos mais sublimes.
Nessa casa passei quase o equivalente a 33 voltas da Terra em torno do Sol, mas 90 voltas da Terra sobre o seu próprio eixo, antes do derradeiro dia, foram passadas já em casa. Confesso que me esgueirei, covardemente, pois não estava mentalmente sadio para testemunhar mais o lento agonizar de um Serviço que vi nascer e, humildade à parte, ajudei a crescer em áreas da minha competência. Foi o meu primeiro e último emprego. Único, portanto…
“E a “espuma dos dias”? Pois… essa fica para outro dia. Hoje é apenas, e estranhamente, dia de em que grito com o coração condoído:
– O SEF morreu! Longa vida para o País!”