“Today is a truly historic day, as we have delivered on the Migration and Asylum Pact, possibly the most important legislative package of this mandate.[1]”
Foi assim que Roberta Metsola, presidente do Parlamento Europeu, deu início à conferência de imprensa de 20 de dezembro 2023 sobre o acordo obtido no âmbito do Novo Pacto em Matéria de Migração e Asilo. Um acordo que se procurava alcançar desde a crise migratória e humanitária de 2015, altura em que se quis impor um mecanismo de solidariedade assente na recolocação obrigatória de requerentes de proteção internacional dos Estados-membros (EM) sobre pressão para os demais EM, mas que ainda não tinha sido possível alcançar por se estar perante o “tema mais divisivo da Agenda Europeia” [2], tal como resulta das palavras de Lopez Aguilar, presidente da Comissão LIBE e relator do Regulamento relativo à resposta a situações de crise e de força maior, o que resultou num bloqueio realizado por diversos EM.
A incapacidade de fazer cumprir as propostas apresentadas pela Comissão Juncker e as decisões do Conselho relativamente à recolocação, tornou bastante evidente a falta de uma política e de uma estratégia comuns para combater o fenómeno e levou à adoção de medidas individuais por parte dos EM e que foram da suspensão da livre-circulação em Schengen à construção de vedações. Assim, a Comissão de von der Leyen apresentou em setembro de 2020 o Novo Pacto em Matéria de Migração e Asilo, designado desta forma por ser um documento orientador da política migratória europeia que tem associado um pacote legislativo abrangente e que, defendendo os princípios humanistas da União Europeia que se encontram previstos no TFUE e a gestão da migração, procura um equilíbrio entre a responsabilidade e a solidariedade. Esta última, que se apresenta como obrigatória para todos os EM, reveste um carácter flexível por permitir que cada um adote formas de solidariedade, de entre as que se encontram previstas no Novo Pacto, que vão mais de encontro aos seus interesses. Já no caso de situações de crise ou de força maior, a Comissão faz uma proposta de implementação do mecanismo de solidariedade que vai de encontro aos requisitos dos EM requerente, recorrendo-se à reserva de solidariedade prevista no Regulamento de Gestão de Asilo e Migração para dar resposta ao solicitado. Caso a resposta não seja suficiente para cobrir todas as necessidades do Estado requerente, a Comissão solicita aos demais EM contribuições de solidariedade adicionais. Perante a impossibilidade de satisfazer todas as necessidades do EM, é então ativada a solidariedade obrigatória para todos os requerentes, quer estejam ou não sujeitos ao procedimento de fronteira, quer sejam migrantes em situação irregular e pessoas que beneficiam de proteção imediata ao abrigo do regulamento. Caso este procedimento não seja suficiente, os países podem ainda ser chamados a contribuir para além da partilha equitativa identificada pela Comissão. Nestas situações a prioridade é a recolocação.
Mas como a própria presidente do PE reconhece, não existe uma solução perfeita e o Novo Pacto não consegue dar respostas a todas as questões complexas que são levantadas no âmbito da migração e do asilo, tal como as ONG que se dedicam às causas da migração e do asilo fazem questão de relembrar, salientando que poderemos estar perante um retrocesso em termos de direito de asilo. Exemplo disto mesmo são as declarações prestadas por Eve Geddie[3], Diretora do Gabinete das Instituições Europeias da Amnistia Internacional, para quem o “resultado provável é o aumento do sofrimento em todas as etapas da viagem de uma pessoa que procura asilo na UE. Desde a forma como são tratadas pelos países fora da UE, passando pelo acesso ao asilo e ao apoio jurídico nas fronteiras europeias, até ao seu acolhimento”. Para Eve Geddie os países de primeira linha também não são devidamente apoiados, uma vez que “em vez de dar prioridade à solidariedade através de recolocações e do reforço dos sistemas de proteção, os Estados poderão simplesmente pagar os regressos, reforçar as fronteiras externas ou financiar intervenientes”.
No entanto, o Novo Pacto e entre os quais os regulamentos que foram agora objeto de acordo e que serão ultimados no decorrer da presidência belga do Conselho, apresentam diversas virtudes, tal como Lopez Aguilar faz questão de recordar ao salientar que os direitos fundamentais dos requerentes de Proteção Internacional, nomeadamente dos mais vulneráveis, se encontram assegurados mesmo que as derrogações (às quais são impostos limites) se encontrem a ser implementadas, promovendo-se uma Proteção Internacional prima facie, em que se salvaguardam os requerentes originários de certos países terceiros que merecem uma atenção especial ou que pertencem a certos grupos identificadas pela Comissão Europeia, entre os quais os menores. Já no que concerne à solidariedade entre Estados, Lopez Aguilar salienta o facto de as crises poderem ser declaradas a nível regional ou local, não precisando de ser declaradas a nível nacional, o que promove a solidariedade. Acresce ainda o facto de que os procedimentos serão tratados através de um Coordenador Europeu de Recolocação nomeado pela Comissão, que se assegurará que as medidas de solidariedade são implementadas. Lopez Aguilar destaca ainda a importância do acordo alcançado por colocar a política migratória num quadro comum europeu, combatendo desta forma a extrema-direita que pretende que a política migratória seja decidida a nível nacional.
Emanuel Morgado | 22 dezembro 2023
Consulte aqui os seguintes documentos:
→ Declaração da Comissão Europeia – Novo Pacto em Matéria de Migração e Asilo
→ A New Pact on Migration and Asylum
[1] Asylum and migration: deal for more solidarity and responsibility sharing | News | European Parliament (europa.eu)
[2] Press conference by Roberta METSOLA, EP President, Juan Fernando LÓPEZ AGUILAR, Tomas TOBÉ and Fabienne KELLER, Rapporteurs on the outcome of the migration trilogue – Multimedia Centre (europa.eu)
[3] UE: Novo acordo sobre o Pacto para a Migração pode provocar “aumento do sofrimento” – Amnistia Internacional Portugal