SCHENGEN FEZ 30 ANOS EM 26 DE MARÇO DE 2025
O resto é comércio
Schengen. Foi há 30 anos. Uma efeméride discreta, mas um marco que mudou a vida de todos nós. Estava lançado um dos dois cimentos que unem os europeus: Schengen e o Euro, isto é, o espaço de livre circulação e de segurança, por um lado, e a moeda única, por outro. O resto é… comércio.
Schengen era um desconhecido lugarejo luxemburguês, exactamente na confluência dos territórios do Benelux, da Alemanha e da França. Era aí, a bordo de um barco dos cruzeiros fluviais do rio Mosela — porque na aldeia não havia sequer uma sala onde se pudesse fazer tal celebração —, que foi assinado o Acordo de Schengen em Agosto de 1985 e onde seria também assinada a Convenção de Aplicação do mesmo acordo, cerca de cinco anos mais tarde. Hoje, a povoação de Schengen aparece nos guias turísticos e é merecida uma visita ao seu museu. As disposições da Convenção entrariam em aplicação mais outros cinco anos volvidos. Foi em 26 de Março de 1995 e muito iria mudar para os europeus e não-europeus que se deslocam pela Europa.
Portugal entrou mais tarde mas arrancou na primeira linha
Foi às 00h00 de 26 de Março de 1995 que arrancou o espaço sem controlos nas fronteiras internas constituído por 7 países europeus: os cinco fundadores (Bélgica, Países Baixos, Luxemburgo, Alemanha e França) mais a Espanha e Portugal, que haviam aderido a Schengen em 1991. Tivemos pois um ano a menos para nos prepararmos, mas estávamos porém na linha de partida com os primeiros.
Criava-se assim um enorme espaço de livre circulação e de segurança na Europa. Já havia dois: o Benelux e a União Nórdica de Passaportes. Mas o nível de cooperação em Schengen era mais profundo e abrangente. Ao contrário do que alguns jornais deram a entender, a livre circulação não era só para os europeus, era para toda a gente. Um estrangeiro, uma vez entrado no território Schengen, já não era mais controlado. E apenas precisava de um só visto para todos os países.
A supressão dos controlos feitos nas fronteiras internas foi amplamente benéfica
A supressão dos controlos nas fronteiras internas foi mais do que contrabalançada pela implementação de medidas compensatórias, essencialmente nos domínios da cooperação policial, judiciária, consular e aduaneira. E a introdução dessas medidas, sobretudo a criação do Sistema de Informação Schengen — uma base de dados comum com as pessoas e os objectos (documentos, veículos, armas, etc.) procurados pelas autoridades dos países participantes —, revelara-se uma mais-valia para a segurança dos Estados. O conjunto dessas medidas compensatórias trazia um acréscimo de segurança que era muito superior ao que se perdia com a abolição (só) dos controlos feitos nas fronteiras internas. Foram definidos e aplicados critérios comuns de entrada no espaço Schengen. Foi profundamente reforçada a cooperação operacional entre os países participantes. E pela primeira vez em tempo de paz as polícias podiam cruzar as fronteiras e entrar nos territórios dos países vizinhos em caso de necessidade. Eram formadas equipas comuns multinacionais quando tal se impunha. As autoridades dispunham de novos instrumentos, meios e procedimentos. Os criminosos não estariam mais ‘a salvo’ ao irem para outros países do espaço Schengen. E as fronteiras externas de todo esse espaço eram controladas como se de um só país se tratasse.
Os países só se unem quando têm necessidade
Os benefícios económicos daí advenientes eram também indubitáveis. Acabavam-se as longas filas de espera nas fronteiras. E a realização de controlos de fronteira em todas as autoestradas, estradas principais e secundárias, caminhos, vias férreas, fluviais e voos internos no espaço Schengen, tornava-se insustentável numa Comunidade Económica Europeia com cada vez mais circulação entre os Estados-Membros. Com a abolição desses controlos, os recursos que se disponibilizavam podiam ser recanalizados. Schengen tornou-se atractivo. E hoje o espaço de livre circulação é composto por 29 países — todos os da União Europeia (à excepção do Chipre e da Irlanda, que têm fronteiras peculiares mas que não obstante aplicam o acervo Schengen no que se refere à cooperação policial e judiciária) mais a Noruega, a Islândia, a Suíça e o Liechtenstein. É que os países só se unem quando há necessidade… e frutos a colher.
Um por todos…
A aplicação da normativa Schengen implicava recursos específicos e meios técnicos e humanos eficientes. O sistema tinha que ser infalível, a segurança de todo o espaço Schengen dependeria do bom desempenho de todas as autoridades participantes. Estas actuavam já não só para o seu próprio país, mas em prol de todos. E havia a consciência de que a resistência máxima da corrente seria aquela do seu elo mais fraco. Havia que estar à altura. O recém-criado SEF desempenhou um papel preponderante. O Sistema de Informação Schengen, em Portugal, era administrado pelo SEF. Para tratar a informação que nele se inseria e que nele se descobria (as chamadas ‘respostas positivas’ encontradas aquando dos controlos), cada país participante criou um gabinete que congregava representantes de todas as forças policiais, da Justiça e das Alfândegas. Foi a primeira vez que fardas dos mais diversos tons se juntavam nas mesmas salas e pela mesma causa: a segurança colectiva de todos os países do território Schengen. Esses gabinetes, designados por “SIRENE”, eram também o ponto de contacto único para as relações com os outros parceiros Schengen. O Gabinete SIRENE de Portugal era coordenado pelo SEF.
Portugal (ia sendo) o primeiro
À meia-noite de 25 para 26 de Março de 1995 tudo estava a postos. Os funcionários das autoridades presentes no SIRENE Portugal estavam formados, preparados, a postos. Já há uns dias que tinham notado a suspeitosa presença de uma viatura de matrícula estrangeira estacionada nas imediações do Gabinete SIRENE, então situado perto de Santo António dos Cavaleiros. E mal suou a meia-noite, consultaram o Sistema de Informação Schengen e… bingo! O carro estava indicado, por outro país parceiro, como roubado. Uma resposta positiva logo nos primeiros segundos de vida de Schengen seria certamente a primeira de todo o Espaço Schengen. Mas não! Portugal era o único dos sete que estava no fuso horário de Greenwich. Que pena! Na hora que precedeu, já tinham havido duas respostas positivas noutro país.
Uma transformação silenciosa
De uma maneira geral, na opinião pública portuguesa dava-se pouco pela mudança. Só aqueles que viajavam para outros países Schengen se iam apercebendo de que já não eram controlados nas fronteiras. Para além de ser um país periférico, Portugal era também o mais pobre dos participantes, com a população menos viajada.
O essencial é haver vontade política
O Secretariado de Schengen encontrava-se em Bruxelas, mas discreto e fora do quadro institucional e legal das Comunidades. O Acordo e a Convenção de Schengen, bem como as disposições dela derivadas, assumiam a forma de acordos intergovernamentais. Todas as decisões eram tomadas por unanimidade, por consenso. E foi por essa razão que cinco dos nove Estados-Membros das Comunidades decidiram sentar-se à mesa num foro separado para criar Schengen. Porque na CEE, havia quem não estivesse de acordo com um tal passo na evolução da “união cada vez mais estreita entre os povos europeus” preconizada pelo Tratado de Roma de 1957. Pela amplidão e impacto que Schengen teve na unificação europeia, finalmente em 1999 com a entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, o acervo de Schengen foi integrado no quadro legislativo e institucional da União Europeia e a partir daí qualquer novo Estado-Membro da UE seria a fortiori um estado Schengen.
As Comunidades, e posteriormente a União Europeia, foram paulatinamente alargando às diferentes matérias a regra da adopção por maioria, para que a construção europeia não se deparasse com bloqueios. Todavia, Schengen fizera-se exclusivamente com base no consenso e na unanimidade. E assim se refutava a ideia que a adopção por maioria, por si só, não chega para impor o progresso de negociações. A frequente constituição de minorias de bloqueio no seio da UE veio também demonstrar que afinal o essencial é haver vontade política. E sobretudo quando esta se reflecte em resultados concretos e positivos.
Pompa e circunstância, como se constata, também não faz falta. Fez hoje 30 anos.
26 de Março de 2025
Jacinto da Silva Santos, antigo funcionário do Secretariado dos Acordos de Schengen e do Secretariado-Geral do Conselho da União Europeia