O Decreto-Lei n.º 440/86, de 31 de dezembro, conferiu ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras uma estrutura orgânica mais adequada às novas exigências decorrentes da adesão à então CEE e criou a Carreira de Investigação e Fiscalização (CIF), vocacionada para o desempenho de tarefas específicas relacionadas com fluxos migratórios.
Este novo Serviço de Segurança assumiu em 1 de agosto de 1991 o controlo da fronteira do Aeroporto de Lisboa (PF001), e a 3 de março de 1993, face às exigências que a Portugal se colocaram como país de imigração num espaço comunitário, visando os procedimentos decorrentes da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen e sua aplicação a partir de 26 de março de 1995, vinha a dar seguimento e aplicação à nova lei de imigração aprovada pelo Decreto-Lei Nº 59/1993, de 3 de março.
Em 1994, em pleno frenesi eleitoral, surge o primeiro caso polémico que originaram contestações sociais com protagonistas de vários sectores, sociais, políticos e religiosos exigindo do SEF uma postura firme.
No dia 09-02-1994, a cidadã angolana Vuvu Nsimba Grace acompanhada de sua filha menor Grace Dadin Benedicte Souze, de 3 anos, chegou ao Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa a proveniente de Brazaville.
Era portadora do passaporte emitido pela Republica Popular de Angola, do qual constava visto para uma estada de 60 dias, para si e sua filha, declarando vir visitar o marido – o também angolano João Sousé -, mas os documentos que trazia e aquilo que disse que vinha fazer, não convenceram os inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) do Aeroporto de Lisboa.
O SEF recusou a entrada em TN a ambas por não disporem de meios de subsistência suficientes para a estada pretendida notificando Vuvu Nsimba Grace nesse mesmo dia.
Face à decisão de recusa de entrada, permaneceram na Zona Internacional (ZI) do Aeroporto, em área reservada para passageiros em trânsito aguardando regresso ao país de origem ou onde pudessem ser admitidas.
Na mesma data (09-02-1994) foi a companhia aérea transportadora (a TAP) notificada para proceder sem demora ao seu reembarque, ficando as duas sob a custódia da Companhia aérea, que lhes marcou a viagem de regresso para o dia 15-02-1994.
Considerando a permanência desde 09-02-1994 na ZI como detenção ilegal, três cidadãos portugueses, os Srs. Advogados José Vera Jardim, Guilherme de Oliveira Martins e António Costa, suscitaram perante o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa em 14-02-1994 e em beneficio de Vuvu Nsimba Grace,·providência de “Habeas Corpus“, nos termos dos Artºs. 220º e seguintes do CPP, requerendo a sua imediata apresentação ao Juiz de Instrução Criminal.
Esta decisão do SEF gerou uma onda de solidariedade para com o caso em apreço bem como para com as imigrantes ilegais retidas no Aeroporto da Portela que iriam ser expulsas de Portugal, onde acorreram diversas personalidades como Maria Barroso, esposa de Mário Soares.
Esta onda de solidariedade fez com que o marido de Vuvu Nsimba Grace e o Padre Firmino Cachada iniciassem uma greve de fome, bem como outros cidadãos como dois membros do SOS Racismo.
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Não considerando a pretensão manifestamente infundada, a Mmª Juíza deu sequência ao pedido e já no final do dia 15-02-1994, aderindo à tese exposta pelos impetrantes considerou que as cidadãs estrangeiras estiveram desde o dia 09-02-1994 privadas da sua liberdade, situação que também considerou equivalente à de detenção pela prolongada e restrita permanência na área reservada aos passageiros em transito; sob custodia da transportadora.
Mais, julgou ultrapassado o prazo máximo de 48 horas para validação judicial da detenção e verificado o facto de não se encontrarem detidas no centro de instalação temporária definido pelo art.º .89º do DL 59/93, de 3 de março.
Ainda na apreciação, a Srª Juiz entendeu que o pedido não deveria ser objeto de indeferimento liminar, pelo que ordenou a notificação do responsável do SEF, junto do Aeroporto de Lisboa, para que, de imediato, se apresentasse em Juízo afim de fornecer dados necessários ao pedido de “Habeas Corpus“, bem como para que apresentasse as ditas cidadãs em juízo, sob pena de desobediência, procedendo ainda à nomeação do Sr. Dr. Vera Jardim, como defensor oficioso das referidas cidadãs.
O Responsável pelo Aeroporto, Dr. Manuel Jarmela Palos, informou o Tribunal da recusa de entrada em Território Nacional, por ato administrativo definitivo e executório, confirmado pelo Sr. Secretario de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, este, única Entidade legalmente habilitada a autorizar a entrada de estrangeiros em Território Nacional, sem que reúnam as condições previstas na lei, (nos termos do artigo 8º do DL nº 59/93 de 3 de março), pelo que aquele Posto de Fronteira, não podia autorizar a entrada em TN das acima citadas.
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O Tribunal considerou justificado o recurso ao condicionalismo previsto pelo art.º 220, nº 1 al. a) e b) do CPP e ordenou a imediata restituição à liberdade de Vuvu Grace e Grace Benedicte e mandou extrair certidão do processo para remessa ao DIAP, que visou a instauração de procedimento criminal contra os Inspetores do SEF pela prática do crime de prisão ilegal, p. e p. pelo artigo 417º do CP, bem como a prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 388º do CP, pelo Sr. Inspetor do SEF, Dr. Manuel Jarmela Palos.
Não conformado com esta decisão, o Ministério Publico, através do Exmº Procurador da República Francisco Miller Mendes, ao abrigo do disposto pelos Art.º 399º e 401º, nº 1 a) do CPP, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) da douta sentença proferida em 15 de fevereiro de 1994, nos autos de pedido de “Habeas Corpus“.
Apreciado o Recurso, o TRL considerou a atuação dos Inspetores do SEF legalmente conforme e no pleno exercício das suas funções e a violação do disposto no artº 220, nº 1, al. a) e b) do CPP pela Mmª Juiz, pelo que determinou o arquivamento dos autos.
Entretanto, decorrente da decisão judicial, no dia 15-02-2023, Vuvu Nsimba Grace e a sua filha deram entrada em Portugal e juntou-se ao seu marido Souze João Bruno, o qual entrou em Portugal e beneficiou de proteção do Estado Português, não obstante ter ludibriado o SEF e o Estado Português por ter apresentado identificação e documentos falsos.
Os três vieram a beneficiar de autorização de residência permanente em Portugal.
Consulte aqui o recurso interposto pelo Ministério Público para o Tribunal da Relação de Lisboa – Vuvu Nsimba Grace 111_94.0TOLSB